Saturday, June 24, 2006

Diálogo

- Vá lá !!
- Não deixo, já disse!
- Mas porque não me deixas entrar aí dentro?
- Porque ela não quer que entre ninguém.
- Mas acredita que eu não quero fazer mal nenhum. Deixa-me fazer parte dela. É a única coisa que te peço!
- Desculpa mas não posso satisfazer o teu desejo. Depende única e exclusivamente dela e ela não me deu informação nenhuma para te deixar entrar!
- Um só centímetro… um só milímetro… um milésimo de milímetro! Apenas quero que ela pense em mim! Por favor !!
- Não, não posso fazer isso, ela já sofreu muito!
- Mas eu não a quero fazer sofrer! Eu Amo-a !!
- Isso foi o que todos os outros disseram e, como podes ver, não estão cá!
- Não consigo ver. Não me deixas espreitar apenas um bocadinho para ver como é?
- Não! Nem espreitar podes. Ela pode não querer.
- Deixa lá, assim nunca vou saber o que se passa aí dentro!
- Não é para saberes. Se fosse, ela já te tinha dito!
- Oh. Porque é que és mau para mim? Apenas quero o bem dela. Matava-me se algo lhe acontecesse! Apenas quero um pequeno lugar aí dentro para saber o quanto sinto por ela e ela por mim. Não consigo viver sem ela!
- Estás assim tão desesperado?
- Estou… não te posso negar isso.
- Então vá, acho que posso abrir uma pequena excepção. Entra lá um bocadinho. Mas não ocupes muito espaço!
- Obrigado !! … Olha… afinal acho que não quero ficar aqui. Desculpa…
- Pensava que estavas desesperado para entrar!
- E estava, mas afinal não é aquilo que esperava, quero sair!
- Agora é difícil. Por tua culpa ela está a chorar! Não se pode entrar assim num coração sem saber se o que se sente é verdadeiro!

Diálogo de um rapaz que queria um espaço no coração da mulher que julgava ser sua amada.


Foi assim que nasci e morri dentro de ti.
O fim é o princípio de um novo início.
Quando eu disse isto, as pessoas que estavam comigo concordaram todos que era muito redundante. Se calhar quando o disse era mesmo para ser. Ou então não. Mas não é verdade? Uma coisa não acaba sem sentido. Da mesma maneira que acaba a mesa e começa o chão, acaba a vida e começa a morte. Se é que é morte, porque nestes temas, a pragmatização é sempre bem vinda.

12º

Agora sim, começo a perceber o porquê de toda aquela tristeza e insatisfação que assombrava o homem que quase todos os dias entrava no café.
Passaram entretanto pouco mais de dois anos que aquele homem, aparentando uns cinquenta e tais anos, alto, meio gordo, sempre com um chapéu daqueles de quem vai à pesca e uma gabardina escura até aos joelhos entrava no café e se sentava sempre na mesma cadeira colocada numa mesa frente a uma janela que dava para o rio Tejo e para metade da cidade de Lisboa. Enquanto se sentava, colocava sempre sobre a mesa uns óculos, o jornal comprado momentos antes no quiosque em frente, uma caneta e um caderno, ao mesmo tempo que pedia um café. Chegado o café, tirava do bolso um cachimbo no qual colocava tabaco que pressionava constantemente antes de o acender. Suavemente colocava o cachimbo no canto da boca, puxando e largando o fumo com a calma de quem descansa numa tarde de verão, encostado numa árvore do jardim em frente ao lago.
Com a chávena do café numa mão, passava os olhos pelo jornal, folheado muito rapidamente com a outra mão. O cheiro do cachimbo pairava agora por quase todo o café. Notava-se à primeira vista que o interesse em ler o jornal não era muito. Parecia que havia algo pelo qual ele apressava aquela leitura. E assim era. Uma vez terminado o café, afastava o jornal e pegava aquele caderno pequeno com capa rija em tons de castanho mel com uma aba castanha mais escura. Pegava então na caneta e começava a escrever. Enquanto isso, continuava a fumar o longo e esguio cachimbo de madeira. Raras eram as vezes que não escrevesse qualquer coisa assim que pegasse na caneta. Talvez fosse uma data, um número de um capítulo, um título, não sei. Sei que logo após esse rabisco, olhava para fora da janela. À primeira vista parecia estar a admirar toda aquela cidade à beira-mar plantada. Mas não. Quem quisesse reparar, notava que o homem fixava, com um ar pensativo e um pouco sofredor, um único ponto, não específico. Um ponto como se do infinito se tratasse. Um ponto que estava para além daquela magnífica vista. Intrigado, ia imaginando quem era aquele homem. Cheguei à conclusão de que seria um escritor buscando naquele ponto de fuga infinito a inspiração para o seu livro. Um daqueles escritores apaixonados pela sua profissão e que escrevem sobre a sua passagem pela vida, o que lhe deram e o que ela lhes tirou, de uma forma meio dramática e imaginativa, no entanto, sem esquecer que o mundo da literatura é difícil e que o pão do próximo dia depende da venda do livro no dia anterior.
Enquanto eu imaginava a sua vida, ele ajeitava o caderno e começava a escrever sem cessar durante largos minutos que por vezes se transformavam em horas. Nunca era certo o tempo de escrita. Notava-se, pouco antes de acabar, que a sua cara tomava uma expressão um pouco triste e agoniada, talvez pelo facto de não estar a gostar muito do que estava a escrever e ter medo que o livro não vendesse. E era assim quase todos os dias que eu ia até àquele café, logo pela manhã, pouco antes de entrar na escola. Os mesmos óculos, outro café, o mesmo cachimbo, outro jornal, o caderno. Só havia uma pequena diferença: trazia por vezes uma rosa vermelha que colocava por cima do caderno enquanto lia o jornal e cheirava enquanto escrevia. De resto, as manhãs eram iguais. Quase se podia adivinhar o que se iria passar no dia seguinte logo pela manhã na mesa junto à janela.
Uma bela manhã de Outono, em que o sol tentava perfurar o nevoeiro instaurado sobre a cidade, entrei no café e sentei-me, pedindo o pequeno-almoço. Quando olho para a janela, reparo que o suposto escritor de gabardina escura, chapéu e cachimbo ao canto da boca, escrevia já no seu livro. Nem o maior dos barulhos feitos naquele café o conseguiam demover da sua escrita. Parecia triste. Muito triste. Denotei desta vez uma expressão na cara dele que nunca tinha visto antes. Parecia irritado e nervoso à medida que lhe começavam a cair lágrimas pela face. Num acto de rebeldia, parou de escrever e partiu apenas com uma mão a caneta que tantos meses lhe tinha feito companhia naquela escrita infindável. Logo a seguir, rasgou a folha na qual escrevia, amarrotou-a e, à medida que repentinamente se levantava e pegava nas suas coisas para sair, mandou-a para o lixo. Saiu a correr levando tudo à frente, pelo que os homens do café depressa se apressaram a correr atrás dele reinvindicando o café que tinha ficado sem pagar. Fiquei sozinho no café. “Maluquices de escritor”, pensei eu devido a histórias que já tinha ouvido falar.
Todos aqueles meses a ver aquele homem a escrever no caderno suscitaram em mim um interesse incontrolável em saber o que ele escrevia, pelo que me levantei e fui em direcção ao caixote do lixo para pegar na então bola de papel ali deixada pelo homem. Lentamente a abri e reparei numa letra elaborada, mas um tanto ou quanto tremida. Ansioso pelo que estaria escrito naquela folha, comecei a ler

“Querida Lúcia:

Faz hoje precisamente 12 anos que me deixaste e
quiseste partir para aquele mundo ao qual chamavas de paraíso
e idealizavas belo, calmo e apaixonante. Sinto muito a tua
falta… Todos os meses tenho posto uma rosa vermelha sobre o teu
lado da cama para relembrar todos os meses que te levava flores
para casa. Tu adoravas…
Venho todos as manhãs ao café que tu adoravas vir quando
éramos solteiros e sento-me na mesma mesa em que estávamos
quando te pedi em casamento. Estavas linda essa tarde. Lembras-te?
Agora essa mesa apoia um dos vários cadernos que comprei desde a
tua ausência. Tenho-te escrito todos os dias desde que partiste à espera,
talvez, de uma resposta tua... Sinto mesmo muito a tua falta! Não aguento a dor que esta tua ausência provoca no amor que ainda sinto por ti.
Amo-te… quero estar contigo…”

Á medida que ia lendo o que estava escrito sobre as linhas amarrotadas daquela folha já suja pelo lixo, apercebia-me de que tudo aquilo que tinha pensado sobre o homem que acabara de sair porta fora estava completamente errado. Ele não era um escritor, nem escrevia um livro, muito menos estava preocupado com a situação do mundo literário. Preocupava-se, isso sim, em escrever, todos os dias, cartas para a sua amada, falecida há doze anos e que nunca conseguiu esquecer…
Começo agora a perceber o que é não esquecer o que verdadeiramente se ama, mesmo quando já não está connosco.
Quanto ao homem… nunca mais o vi, a não ser numa fotografia que vi num jornal do dia seguinte com o seguinte título: “Suicídio no rio Tejo”…

com ou sem cogumelos?

Era já a segunda vez, desde a suposta derradeira operação, que entrava naquela sala esverdeada, cheia de luzes brancas e com um cheiro incómodo a medicamentos. Lá dentro reencontrara a doutora que substituiu o meu médico, que foi de férias duas semanas antes. Apesar do crescendo nervosismo que crescia em mim, aparentava por fora uma calma invulgar num rapaz de 15 anos que estava prestes a ser submetido a uma ainda desconhecida decisão. Faziam já duas semanas que tivera sido operado ao pé naquele hospital que, durante mais de metade da minha vida, considerei como a minha segunda casa. Ainda hoje sinto o cheiro e ouço os barulhos daqueles corredores que sempre pareceram assombrados de ânsias, vontades e tristezas, o bater de muletas no chão, o som das cadeiras de rodas a passar. Corredores esses que muitas lágrimas carregadas de incertezas enxugaram e talvez por isso mesmo eu tinha medo de os atravessar. Foi num desses corredores que, passadas essas duas semanas da operação, eu voltava a passar para decidir as minhas férias de verão.
Tinha acabado as aulas pouco depois do fim de Junho e tinha passado para o décimo ano com a distinção de um bom aluno exemplar que sempre fui. Fiz a décima operação ao pé esquerdo que atormentava a minha vida e a vida dos meus pais desde a minha nascença. Durante treze anos e meio (a primeira operação foi aos 14meses), vivia em minha casa a incerteza do fim desse tormento. Incerteza essa que mais uma vez me acompanhou naquela sala de consultas. Enquanto me tiravam o gesso para ver como o meu pé estava, apenas uma coisa me passava pela cabeça: a promessa que eu tinha feito ao meu primo de que, quando eu chegasse a casa, encomendaríamos uma piza por telefone e ficaríamos a ver um filme ou a jogar playstation, pelo que me escapou da boca, enquanto a serra da máquina se preparava para perfurar aquela camada dura de gesso, «Hoje não vamos demorar muito, pois não? É que eu prometi ao meu primo que íamos comer uma piza quando eu chegasse». «Esperemos que não», dizia um médico que nunca tinha visto e que entretanto chegara. A vontade de voltar a casa e poder estar com o meu primo, (que adorava piza), o meu melhor amigo e com quem me dei sempre bem, seria talvez o meu refúgio ao pensamento negativo que seria ter de ficar no hospital a fazer tratamento.
Todos os pequenos movimentos efectuados pelo enfermeiro ao serrar e tirar o gesso, ao cortar e tirar a ligadura, ao tirar as gases, foram atentamente observados por mim e pelo médicos. Eu também queria ver. Não me deixavam. Era através da expressão na cara dos médicos que eu ia percebendo o que se passava. Parecia tudo bem, até me tirarem as gases que tapavam a costura. Rapidamente me sentei na maca e vi o porquê das suas expressões faciais terem mudado tão repentinamente como quem pisca os olhos. O ponto infectado que há uma semana atrás tinha sido alvo de comentários médicos como «Isto é normal. Para a semana estás bom. Não é preciso preocuparem-se. Isto não é nada», tinha, durante uma semana, infectado todos os outros pontos e feito com que a costura ficasse toda aberta. Rapidamente me voltaram a deitar. Na minha cabeça só passava um pensamento: a promessa que eu tinha feito ao meu primo. A única coisa que eu mais queria naquele momento era ir para casa e comer a piza com o meu primo. Já sabia o que me esperava. Anos e anos em hospitais fizeram com que percebesse a realidade daquele momento apenas pelas suas expressões. Os comentários seguintes feitos pelos médicos presentes fizerem aparecer em mim toda a tristeza e irritação da ideia de ficar no hospital a fazer tratamento, escondidas apenas pela vontade de ver o meu primo a comer a piza que eu tinha prometido. Desfeito em lágrimas e compreendendo a realidade que ali se passava, fazia um único pedido: deixarem-me ir a casa comer a piza com o meu primo que eu depois voltava. Nada feito. Falava com os médicos enquanto, pela face, caíam lágrimas e lágrimas encarecidas de raiva por não poder ir a casa apenas por duas horas. Os médicos diziam que seriam apenas duas semanas, mas eu, ainda apenas uma criança, sabia que isso não era verdade. Um mês pelo menos, pensava eu. Palavras de conforto choviam em cima de mim, misturadas com expressões de espanto de enfermeiros e médicos que entravam pela sala e olhavam o meu pé a descoberto com a costura aberta.
A raiva e o sentimento de revolta apoderaram-se então das lágrimas que persistiam em sair e cair pela cara. «Porquê?!», gritava eu para mim mesmo. «Porque é que nunca mais fico bom?». Os treze anos e meio de operações e os dez anos de consciência pura do problema que me acompanhava davam agora lugar a um sentimento de rebeldia para com o mundo e com a vida. Nunca tinha feito nada a ninguém e o tormento persistia.
Sempre fui uma criança alegre, divertida, inteligente, inocente, mas aquele momento que pareceu durar uma eternidade fez mudar a maneira como encaro agora toda a realidade desta vida. A mudança é reconhecida por todos aqueles que me viram nascer. Continuo alegre e divertido, mas é diferente. Já não é a mesma coisa. Olhando para trás, até nem me importo de ter passado todos aqueles anos em sofrimento, pois fizeram de mim a pessoa que sou hoje: Adulta, verdadeira, aberta a sentimentos, apaixonada, calma, compreensiva… diferente.
Depois de dois meses e meio no hospital, três consultas por semana durante seis meses e as velhas canadianas, voltei a ser operado. Desde aí, nunca mais. Recusei um pedido dos médicos para fazer uma operação meramente estética ao pé. Talvez seja o medo de rever aquela expressão na cara dos médicos e perder assim mais seis meses da minha vida, talvez seja o facto de me habituado à maneira de como o meu pé está, mas por enquanto, não farei outra operação. Talvez um dia mais tarde, quem sabe…

Tuesday, June 06, 2006

"Olá, tudo bem?"


Alguém me explique. Nestes dias de globalização, de comunicação de massas, é natural que as pessoas tenham a necessidade de comunicar umas com as outras. Temos os telemóveis, os telefones, os mails, o messenger. E comunicar de uma forma cada vez mais rápida, o que leva à extinção quase completa das românticas e características cartas de amor. Como tal, o romantismo está a entrar numa nova fase, a comunicação já está numa nova fase!
Mas isso eu percebo!!
Só não consigo perceber frases como: "Olá, tudo bem?" ; "Olá, estás bom?"
A publicidade, forma de comunicação que chega, muitas das vezes, a atingir proporções inimagináveis (é como quem diz, porque hoje em dia tudo é quantificado!!), tem um único sentido de transmissão, pelo menos no que toca à mensagem. Embora haja quem ainda(!) fale para a televisão, nunca vi nenhum spot a a responder de volta! Isto tudo para perguntar: Será o "Olá, tudo bem?" uma forma de publicidade?
Vejamos: Quantas pessoas lhe respondem ao "Olá, tudo bem?", quantas se preocupam com a sua resposta à mesma pergunta? Pior, já tentou responder: "Não, nem por isso!". Tente. Veja e sinta a indiferente reacção que as pessoas dão à sua resposta! O mais natural é a resposta mecânica "Sim, está tudo, obrigado", quando mais de 50 % das vezes não está, nem pouco mais ou menos!
Ora, se essas pessoas não se interessam em saber a sua vida ou sequer partilhar as suas vidas consigo, então porque respondem ou perguntam? Será uma forma de publicidade de reconhecimento como quem diz: "Reparem em mim, ainda cá estou, no mercado social dos produtos humanos." ou será apenas a velha questão da imagem de marca? De qualquer das formas, é publicidade. Como dizia o tio do outro: " ... ; ..." -> pois!