Saturday, March 29, 2008

E brinco de parafuso


E brinco de poeta
mesmo quando não o sou.
Talvez, e por enquanto, ainda
seja só pensador, procurador
de um destino difuso,
um incompreendido parafuso
na roda e roda da ânsia de ficar
preso a um estado de alma,
aparafusado a uma parede.
E brinco de chorar porque rio
e de rir porque quero chorar
em vez de me conformar
na beira do rio fugidio
na beira de um mar, agitado.
E brinco criando imagens do que não sou
esse outro que não sou eu
e parece a vós que, quem sou,
não sou quem vos parece.
Assim, acordo contente de ser
e acordo com vida de viver
e passo pelo dia numa imagem
do que o acordar não foi
e do que não é o adormecer.
E se assim não brincasse,
que seria deste perceber,
deste agora que me dou a conhecer?
Abre-me janelas quando fecho portas,
correntes de ar em ventanias mortas,
mostra que a côr da parede,
estado de imagem e sentido presente
se rasga ao aparafusar
o parafuso que é brincar.

1 comment:

Miguel, o Torga said...

Elegante na forma e vertical no ser. Edgar Alves é hoje uma das referências da poesia romântica da Idanha, brilhante.